O sexo depois da não-liberdade
Por Carmen
Tenho pensado a respeito da liberdade que só a experiência da não-liberdade nos traz. Explico: uma amiga, passando sozinha por estes 13 meses de quarentena, contou que nunca teve tanto desejo de se experimentar.
O fato é que, com a ausência de um parceiro sexual para chamar de seu, ela redescobriu o prazer, a conexão com seus sentidos mais básicos. O bom hábito – palavras dela – de se perceber e despir de qualquer questão que não esteja na vontade pura e simples de sentir tesão na presença de si. E gozar! Desfecho que, segundo me disse, tem acontecido de modo cada vez mais intenso. No sentido literal, seja em longas sessões de autoamor (na cama antes de dormir ou ao acordar devagarinho, no banho, no sofá da sala), seja quando este período de isolamento terminar – ou a vacina chegar para ela, quem sabe.
Esta conversa, entretanto, vai muito além de uma mulher adquirindo a liberdade de gostar de si e das possibilidades que o próprio corpo oferece. Porque segundo o depoimento dessa pessoa querida, o incômodo processo de encarar a solidão interminável da vida como poderia ser, a faz imaginar quem ela será após a pandemia. Sexualmente falando.
Não que a gente mude radicalmente princípios ou valores adquiridos a partir da nossa jornada. O respeito por si deve permanecer sempre. Porém, talvez, as pessoas queiram se colocar na vida amorosa de um lugar mais livre, mais fluido, com menos loopings mentais nas relações com outros parceiros, complexidades existenciais ou mecanismos de sabotagem. E aqui, estamos falando para todos os gêneros e estados civis, entenda.
Estudiosos de comportamento e futurologistas já apontam, em alguns anos, para uma sociedade sedenta por experiências pelas quais precisou se privar nestes tempos. A história nos mostra. Mas se esta reflexão, um tanto mental do ponto de vista de uma mulher adulta, solteira e que tem transformado o medo de uma condição tão humana – o da solidão para a solitude – ainda não te inspirou o suficiente…
Eu encerro com um depoimento que apenas uma amiga íntima é capaz de nos confiar. Desejando que você também repense sua maneira de se relacionar:
“Minha vida sexual se deu através do medo. Medo de me machucar, de me envolver e não ser correspondida, de me sentir usada, desrespeitada. Medo do outro. Medo de me tocar e do que eu poderia pensar sobre mim. Algumas vezes medo de, num rompante de libertação, nunca me conectar verdadeira e profundamente com alguém. Medo de sentir, de amar. Medo de viver.
Agora não, tudo está diferente depois desta rotina fora do mundo. Quando toco gentilmente meus seios, lambo meu braço, chupo meus dedos para logo encontrar outras partes de pele macia, pelos, e cada pedacinho da minha anatomia, sinto a vida pulsando em meu corpo e alma. A beleza de ter mais um dia. E a esperança de, em breve, me sentir segura como nunca antes. Para compartilhar o que tenho de mais humano: a entrega absoluta da minha vulnerabilidade.
De coração aberto, por uma noite ou uma vida inteira (isso já não importa). Com um sorriso leve no rosto. Um sorriso só meu. Pois ali, em cada instante tão único quanto fugaz, estive inteira. Tocando o sublime de encontrar outro ser por inteiro. Acho que é disso que se trata tudo… Quando a gente, finalmente, entende que estar vivo nos dá a oportunidade de acender estrelas no coração. Nosso e dos outros. Para que elas continuem brilhando quando nosso corpo físico já não tiver razão de seguir por aqui.”