A sua sorte
Por Dolores
A sua sorte é que eu não tenho um pau.
Eu te encurralava, te dominava, te violava no chão igual à música do Chico, se eu tivesse um pau e fosse você do meu lado, igual é hoje em dia, mas quem tem o pau é você.
Eu não ia te deixar em paz. Você não ia ter sossego. Seu dia ia começar bem cedo, na verdade não era nem dia ainda, porque antes do nascer do sol eu já ia me embrenhar pra perto do seu corpo deitado na cama, subir a palma da mão da coxa pra bunda, e, segurando cada banda prum lado, ia me roçar pra você me sentir crescer comigo já lá dentro.
Sorte sua, eu não ter o que bem podia. Não adiantava reclamar, dizer que precisa dormir, que amanhã tem que acordar cedo. E, quando acordasse de verdade, era o meu pau, e não mais o seu, que íamos adorar feito imagem de ídolo, duro e imponente, respeitável em todo o seu ineditismo.
Não que a gente fosse se surpreender com o fato de que, azar o seu, agora eu tinha um pau e queria aproveitá-lo direito. Ia se normalizar, o novo membro, mas não sem que antes, de novo, igual à música, eu não te desse perdão.
Abaixa pra pegar coisa no chão, na última gaveta, pra amarrar sapato, pra você ver o que te acontece. Ajoelha na minha frente. Se eu tivesse um pau – e é sorte sua que eu não tenha – era em você que eu testava as descobertas, sensação por sensação, novidade por novidade.
E eu te acho tão gostoso, tão apetitoso, que, se eu tivesse um pau (azar o seu), esfregava em você inteiro. Não ia haver trégua. Não tinha momento certo. Toda hora era hora de eu ver o que de tão bom parece ser ter um pau e poder encaixá-lo em frestas, molhá-lo em poças.
E, de tanto pensar que ter um pau era sua desgraça, de ter certeza do seu desgosto e asco, quase me perco no devaneio e me esqueço do quanto eu penso, às vezes, que pode ser que sem um pau eu não viva (azar o meu), e que calha de ser o seu a que eu tanto adoro feito imagem de ídolo.
Duro e imponente, ainda que em sua frequência morna do cotidiano, agradeço aos céus que você queira aproveitá-lo direito. Que não me dê perdão. Nem me conceda paz. E, agora de memória fresca e já quase molhada, sei que não havia como não ser sorte se eu pudesse também fazer a você as maravilhas que você faz comigo.
A minha sorte é que você tem tudo de que eu preciso.