Pelo olho mágico
Por Carmen
Foi estranho ver alguém dentro do elevador, depois de tantos dias sem encontrar sequer uma alma vagando pelo edifício. Eu tinha acabado de deixar o lixo na lixeira comum que fica na garagem do primeiro subsolo, passado álcool gel nas mãos e chamado o elevador com a ponta do cotovelo. Ia voltar para a minha toca. Além das idas semanais ao mercado, a descida diária para levar o lixo tem sido a minha maior aventura nesse período de confinamento. Minto, tenho também me masturbado com a janela aberta, dando a oportunidade pros moradores do prédio ao lado assistirem ao meu prazer.
Dentro do elevador, ele estava com calça de moletom cinza e a camiseta preta era de alguma banda de metal que eu nunca ouvi. A palavra sexy acendeu em LED na minha mente. Ele trazia embalagens de delivery de comida, claramente a caminho da lixeira que eu acabara de encher de garrafas de vinho.
Ele falou oi, sorriu, e se esgueirou para fora do elevador, impondo o máximo de distanciamento social que o espaço do hall permitia. Broxante. Eu subi, entrei em casa e, enquanto higienizava a maçaneta, me deu uma vontade louca de espiar. Pelo olho mágico, fiquei esperando ele voltar. Bancar a voyeur certamente ia me animar, senti meus mamilos se arrepiarem, quando encostei o peito, coberto pela camiseta fina, na madeira gelada da porta. Eu, que sempre gostei de me exibir, curti o novo papel.
Claro que eu já tinha visto esse cara antes. Somos vizinhos de porta. Seu peitoral ficava na direção dos meus olhos enquanto viajávamos do térreo ao décimo, naqueles saudosos tempos em que pegar elevador cheio causava, no máximo, irritantes minutos de atraso.
Acompanhei pelo buraquinho quando ele saiu do elevador e, em vez de se dirigir para a própria porta, ele olhou na direção da minha, como se adivinhasse que estava sendo observado. Adrenalina percorreu meu corpo por uns cinco segundos, até ele se virar e seguir rumo ao próprio casulo.
Naquele dia, me masturbei e depois escrevi um conto erótico. Na minha fantasia, trabalhava no notebook quando me assustei com a campainha de casa. Pelo olho mágico, vi que era ele. Abri, e ele deu três passos para trás. Distanciamento. Usava uma máscara preta, de pano, e eu juro que estava mais sexy do que nunca.
Ele disse: “tinha álcool 70% no mercado. Como não tá fácil de achar, trouxe um a mais. E estendeu o frasco.”
Peguei, agradeci, e morri de vontade de convidar para entrar.
“Quer um café? Uma cerveja? Me comer contra a pia da cozinha?”
Em vez disso, perguntei se ele estava trabalhando de casa, como estava a família – que eu nem sabia se existia, onde, em que moldes.
Começou a contar sobre a rotina na quarentena e os pais confinados em uma cidade grande do interior, a voz abafada pela máscara. Decidimos trocar whatsapp com a desculpa de caso um de nós, em uma emergência, precisasse de algo. Afinal, estávamos os dois sozinhos naquele andar, durante a pandemia. Mas a minha urgência não era bem aquela. Eu precisava gozar sentindo um pau quente. E, ironia do destino, o pinto mais próximo morava a 10 metros e vinha acompanhado de um corpo esguio e com a dose perfeita de tônus muscular. Sim, estou me dando o direito de ser superficial no meu delírio erótico.
Na fantasia, um papo por mensagens engataria, inicialmente, com emojis e provocações. Um pouco depois, a paquera “Você está sendo uma companhia maravilhosa nesse confinamento”, ficaria mais safada: “Você me deixa com um tesão muito louco”.
Na madrugada, transamos. Por texto.
No dia seguinte, marcamos por vídeo. “Por hangout ou zoom?”. “Na minha cama”, brinquei.
E como na imaginação ainda podemos nos tocar e trocar fluídos, meu vizinho conheceu meu apartamento, tomou a minha cerveja, me jogou na cama, se enfiou nas minhas entranhas, me comeu de quatro e me fez gozar três vezes.