Coração no meio das pernas
Por Dolores
Prega o dito popular que é com a cabeça de baixo que pensam os homens. Sempre achei engraçado, isso de dar o nome de outra parte do corpo pra um lugar adicional. Tão engraçado quanto seria se a gente tivesse mais um pedaço chamado queixo, ou uma segunda bunda abaixo do joelho.
Mas, quando começo a rir do costume de chamar chapeleta de cabeça (sim, porque é esse o nome correto da anatomia, chapeleta, repita em voz alta e veja quanta musicalidade), eu lembro que, no meu corpo, cometo a heresia de dobrar órgãos além dos que já vêm em pares de fábrica.
Enquanto todo mundo tem rins, pulmões, ovários, amígdalas, eu sou aquela que tem dois corações. Um é do modelo clássico, bate no peito, acelera na ladeira, e o outro, mais raro, fica instalado lá no fundo da xoxota.
Um pouco menor, garantem as ressonâncias, algo como metade do tamanho do que é igual ao de todo mundo. Também pudera: enquanto o tradicional tem funções múltiplas, o extra serve apenas para complicar a minha vida.
É por causa dele, o coração genital, que me apaixono por todo mundo com quem transo. Quando era só homem que me comia, eu achava que, de algum modo, a chapeleta (viu? nada de cabeça) roçava de levinho ou com força, e o estímulo contínuo acabava, feito lâmpada mágica, fazendo brotar de lá de dentro o amor em sua genialidade.
Mas, depois que passei a também gostar de pegar meninas, vi que não tinha necessariamente nada a ver com o toque, e que a proximidade bastava. Ter ali por perto, na xoxota, algo quentinho e delicioso, era o suficiente pra que o coração número dois batesse muito mais forte.
E é um problema cair de amores sempre que se vai pra cama. Primeiro porque tem gente que não merece o coração que come. Segundo porque, no caso de cruzar com alguém que é digno, volta aquele velho problema que já se enfrenta no caso do coração elementar: ter que, também com o adicional, reparti-lo em dezenas de pedaços.