O cara que está me comendo
Por Dolores
Foi num dia de pouco trabalho que recebi a mensagem com o convite. “E aí, gata, vem comigo no Detran?”, e claro que parecia piada num primeiro momento, mas, dado que o relacionamento andava naquela fase boa de grude do começo, pensei que não havia mal em largar as duas únicas tarefas a que tinha me proposto, e aceitar o passeio.
Tanto fazia que o lugar era imundo e cheio de gente, e que imperava um calor africano e que nenhum dos ventiladores das salas velhas parecia estar realmente ligado – ele era um gostoso, e, nesse caso, a temperatura surreal virava quase uma vantagem, porque homens tesudos suam de um jeito mais salgado e bom. E eu tenho tesão no cheiro de suor do cara que está me comendo.
Não que ele estivesse me comendo ali. Nem dava. Os banquinhos eram até colados além do necessário, fico imaginando o desconforto de estar com a coxa roçando em alguém que não se deseja, mas não tinha como arriscar nem uma mão boba naquele panorama aberto. O-cara-que-está-me-comendo é o nome oficial do cargo que ele ocupava, o emprego dele na época.
Eu não sei quantos dias por ano o sistema do Detran costuma cair, mas sei que, se eu agendar serviços seis vezes de janeiro a dezembro, o sistema falhará seis vezes, e a mesma coisa acontece se eu agendar apenas uma ida, quando o sistema vai cair em uma única ocasião naquele ano: o meu dia. De modo que, óbvio, os atendentes explicavam que estava tudo muito mais lento por causa dos computadores, e, óbvio, amargaríamos mais umas boas horas entre uma etapa e outra da renovação da habilitação.
Previram duas horas, por exemplo, só entre a parte em que ele tiraria uma foto bem bonita para o novo documento, ignorando todas as regras que dizem que todo mundo sai mal em situações como essa, e a outra etapa, em que seria preciso passar por um médico para um exame de saúde rápido, a fim de checar reflexos, força e visão.
Escolhemos matar o tempo e a fome juntos, e nos enfiamos numa cantina que prometia carbonara a R$ 25. Honesto e calórico na medida. Não havia ninguém no restaurante àquela hora, ainda antes do meio-dia, exceto a legião de garçons vestindo uniformes antiquados e cheios de modos amplos e olhares curiosos.
Depois de oferecer os dois cardápios, deram alguns jeitos de voltar à mesa com sugestões de couvert, bebidas, depois mais bebidas diferentes, cestinhas com temperos, guardanapos frescos, certamente animados para ver um pouco mais do decote por onde ele me agarrava, com a mão enfiada entre dois botões, segurando com a palma cheia o peito direito, e espremendo entre os dedos o mamilo arrepiado pela ousadia.
Ninguém quis sobremesa. Saímos debaixo do sol forte com a minha bunda rebolando no pau duro dele, que me abraçava por trás enquanto caminhávamos de um jeito engraçado tentando coordenar os passos para não cair. Ainda temos 25 minutos.
Foi dele a sugestão, óbvio, de alugar aquele quartinho com cheiro de mofo e desinfetante na parte de trás de um prédio certamente histórico, com uma escadaria barulhenta e janelas muito pequenas nas habitações. O chuveiro ficava por cima da privada, e a porta do banheiro era de blindex.
Só a cama interessava. Depois de um boquete curto, mas caprichado, ele me botou de pé, com as mãos apoiadas no colchão e a bunda empinada pra cima, molhou a mão e esfregou a saliva de leve no meu cu, forçando a entrada com carinho, mas uma certa urgência. Foi do início ao fim agarrado nas minhas cadeiras, sem soltar um milímetro nem reduzir a força, as marcas das unhas ainda duraram semanas depois até sumir.
O gozo escorreu para fora antes mesmo que ele pudesse sair. Correu para se lavar, mas o encanamento do prédio velho não ajudava: sem água nem na torneira, nem no chuveiro mal posicionado. O jeito é ir assim mesmo.
Foi na fila do exame médico, atrás de três pessoas que também esperavam a vez, que nos demos conta da cena que estava por vir: em busca de saber se estava tudo certo com os reflexos, o médico entenderia, por aquele cheiro de porra e suor vindo de dentro das calças do paciente, que não só a saúde do cara-que-está-me-comendo anda muito boa, obrigada, mas que sua potência e libido também seguem aptas a continuar me pilotando por tempo indeterminado.