O único defeito dele
Por Dolores
Gosto quando é dia de fazer o trajeto de volta a pé, os quase dez quarteirões entre origem e destino ainda ensolarados do fim de tarde. É bom pra ver gente, dizem. Tomar um ar. Verdade, que a essa hora tem o pessoal largando o expediente para subir nos ônibus etc e tal, mas tem também uma frequência maravilhosa que é meu verdadeiro foco: os caras indo para a academia.
(Parêntese rápido. Os caras voltando da academia são ainda melhores, porque estão invariavelmente suados e há algo no cheiro dos seus braços, virilhas e pescoços que aciona um botão importante entre as minhas coxas, porém o horário em que eles flanam pela rua é inviável ao meu passeio, e por isso preciso me contentar com aqueles que ainda não suaram o suficiente. Tudo bem).
E eis que, terça-feira passada, dobrou a esquina um rapaz inédito – tendo a memorizar todos e eleger favoritos -, short cinza, camiseta preta, tênis feio, visual de praxe. Alto. Cabelo quase claro, olhos verdes, nariz bem feito e uma bunda redonda e dura coroando as pernas bem compridas, magras e firmes. Meu número.
Tomava água, além de lindo é saudável, e apertou o passo de repente. Precisei acelerar a ponto de quase ficar sem fôlego para não perdê-lo de vista, a distância segura para eu continuar lambendo-o de maneira imaginária é de, no máximo, quatro metros.
Ele é bem alto, falei, né? Escrevi metros aqui e fiquei pensando sobre o tamanho do pau. Homem grande e magro, o cenário é favorável.
Alcanço-o, reestabeleço o distanciamento ideal, e ergo o queixo o máximo que posso para, feito cadela no cio, tentar sentir seu cheiro antes de fazer esforço. Será que ele é daqueles que já chegam deliciosos à academia?
Cogito tirar uma foto enquanto seguimos nessa marcha atlética, lembro que pode ser que seja crime, volto o celular ao bolso e fantasio como seria se estivéssemos em um posicionamento inverso, ele caminhando atrás de mim, e eu de repente interrompesse, brusca, os passos, ele trombaria direto na minha bunda, talvez ali a gente já se enganchasse, talvez ele me puxasse os cabelos em reprimenda, garotas boas não freiam assim sem avisar.
O farol fechou e, que bom, ele precisou parar, agora estamos bem perto um do outro, ele ainda não sabe que existo, se eu esticar o braço minha mão atola na bunda linda. Tusso. Ele deve ser surdo. Mede o fluxo de carros vindo dos dois lados, talvez não escute, mas é gostoso e esperto, vamos, amor, vamos juntos atravessar essa rua.
Desce a sarjeta. Olha pra baixo. Fecha os olhos com força.
Cospe no chão.
E não cospe um cuspinho de esforço, excesso de salivação, não é um chiclete, não é nada urgente, não tem justificativa. O gostoso escarrou na faixa, aquela gosma estirada entre um retângulo branco e outro, agora escorrendo dada a inclinação típica do bairro.
Vira pra trás, me vê. Agacho para amarrar meu sapato sem cadarço. Em silêncio, penso que não seria de todo mal se um peso de 40 kg despencasse sobre sua boca no meio do treino. Só hoje. Chego em casa e tomo um banho, na tentativa de tirar do corpo qualquer gotícula de baba que o gostoso da Aclimação possa ter me transmitido.