Você sabe quando saio sem calcinha
Por Dolores
Guardadas em uma caixa branca de palhinha delicada dentro do guarda-roupas, minhas calcinhas se dividem em três pilhas diferentes: aquelas mais surradas, mas às quais ainda sou extremamente apegada (seja pelo conforto que oferecem, seja porque marcaram momentos bons da vida); as que, não importa qual seja o convite, estão sempre prontas e a postos, dispostas a qualquer rolê e hora; e aquelas especiais (dado o material tipo couro ou renda, ou o modelo, tipo sadomasô ou enfiada na raba), que até ganham habeas corpus com menos frequência, mas que desempenham uma função importantíssima na minha agenda. Todas lindas, vale dizer, não importa a categoria.
Acontece que tem dia que de nada me vale a estética – são os dias em que eu quero sair sem nada. Tem quem propague que andar por aí sem calcinha tem a ver com conforto, ventilação, leggings mais livres. Até acredito, e por vezes concordo, mas, no meu caso, os momentos pelados debaixo da roupa são maravilhosos nem tanto pela liberdade, mas, sim, pela safadagem.
A consciência da minha nudez ginecológica me faz imaginar que todo o resto da humanidade é tão ciente dela quanto eu. Se eu não boto nada por baixo da saia, imediatamente minha decisão se torna pública. Quase um voyeurismo mudo e ao contrário. Se eu sei, todo mundo também sabe.
E de tanto saber que caminho entre as gôndolas do supermercado despida do auxílio luxuoso da seda, passo a fantasiar que o moço que repõe iogurtes no freezer vertical também assim me enxerga, e que, entre uma bandeja e outra de Danete Chocolate Branco, ele se contorce para esconder a ereção causada assim que passo por suas costas, empurrando meu carrinho.
A não-calcinha também se pronuncia alto nos elevadores, quando o silêncio sempre incômodo me faz pensar que, talvez, de tão contraventora e secreta, minha xoxota solte suspiros delicados para se fazer notada em sua nueza. Ninguém se mexe, ninguém respira, mas lá está ela tentando puxar conversa em um misto de carência e exibicionismo. Alguém aperta o quinto, e depois vem me fazer um chamego?
Gosto de dirigir meu carro sem calcinha, porque o movimento das coxas que conduzem os sapatos nos pedais faz fricção suave em pontos mágicos do corpo, mas, também, porque sei que, presos no trânsito, não só eu, mas todos os motoristas ali quase estacionados, todos nós temos conhecimento da ausência de tecidos separando o suor da minha virilha do assento estampado – e tal percepção só nos faz transpirar mais e querer mais.
De calcinha nenhuma, nem surrada, nem preparada, nem especial, eu transformo a correria da rotina em clipe de música pop, esfregando na cara do relógio toda a minha devassidão demorada, num compasso eu mesma invento. Sigo despida pelas ruas, faço reuniões, pago contas, e não há uma viva alma que não se dê conta da ousadia da minha escolha. Sou mais eu e coisas acontecem, nesses dias. Se eu me abro, a vida se abre. Sem calcinha, eu mudo o mundo.