As Belezas do Não
Por Diana
De esquecer de propósito a garrafa de vinho na casa do gato-alvo a oferecer um beijo em troca de uma música, já cansei de tomar a iniciativa em escapadas sexuais. Ok, não é verdade. Não cansei, não, nem vou cansar tão cedo. Mas a parte de tomar a iniciativa é a real. Daí eis que leio hoje a coluna de Mariliz Pereira Jorge sobre “mulheres que ficam esperando o cara ligar” e penso comigo que, enquanto convencia as meninas de que tudo bem dizer que está a fim primeiro, ela se esqueceu de explicar para as garotas que também é OK convidar o cavalheiro para seu boudoir.
Mariliz deve saber que nem sempre dá certo, não, tanto no setor telefônico quanto no sexual. Mas me atrevo a dizer que é uma atitude recomendável. Não só por ser uma expressão genuína da nossa feminilidade e do nosso desejo; não só porque é menos hipócrita do que ficar fingindo que não sentimos o que sentimos; e não só porque nos abre os olhos sobre o objeto da nossa cobiça. É também recomendável porque dar o primeiro passo no sexo às vezes é, simplesmente, bem divertido, seja qual for o resultado.
Há alguns anos, vivi uma noite inesquecível durante uma viagem a trabalho no Rio. Na véspera de uma reunião importante, tomei a temerária decisão de sair para dançar com uma amiga e um amigo. Não sabíamos o destino, exatamente – deixamos a noite escolher. Fomos para uma região boêmia e, depois de algumas cervejas, notamos um fluxo contínuo de pessoas interessantes que desciam a rua em direção a uma porta escura e comum. Entravam e desapareciam, uma depois da outra. É claro que fomos atrás.
Era mais simples do que parecia, como as coisas geralmente são. Não havia senha nem porteiro, era só abrir a porta e entrar. Nós entramos. Lá dentro, uma pequena fila levava até uma mulher linda, alta, de preto, que anotava nomes e distribuía fichas de consumo. O lugar era uma boate escura, pouco decorada, com ótima música, gente bonita, e vários quartos. Gin na mão, notei um cara loiro, claramente mais novo do que eu, com um belo corpo, que me olhava. Vinte minutos de olhares e… nada. Meu amigo, sem a menor paciência para aquela sedução que não levava a lugar nenhum, resolveu acabar com a nossa “masturbação visual hétero” (palavras dele) e puxou o rapaz para nossa roda.
Bebemos, rimos, conversamos, o lugar fechou, e meu loiro resolveu me acompanhar até o hotel. A noite estava deliciosa, fresca, com uma lua cheia enorme, e enquanto andávamos os clichês continuaram a se acumular. O loiro, um semi-deus nórdico carioca, era ator de teatro e cantava lindamente. Andamos 37 quarteirões (meus pés sentiriam cada um deles no dia seguinte), e ele cantou duas músicas. Lá pelo quarteirão número cinco já tínhamos começado a andar de mãos dadas, e nesse ponto eu só pensava que teria no máximo três horas de sono antes da reunião do dia seguinte. Ou seja, mínguas chances para qualquer entretenimento carnal, principalmente se continuássemos naquele ritmo.
Olhei para o loiro e pedi outra música. Ele negou, fazendo doce, e eu tentei convencê-lo prometendo algo em troca – só não disse o que seria. Ele cantou, e cobrou a promessa. “O que você quer?” perguntei. O loiro poderia ter pedido um beijo. Poderia ter pedido uma noite. Poderia não ter dito nada e me agarrado. Mas não. Ele pediu… meu telefone.
Ele pensava em romance, eu pensava no horário e na minha vontade de beijá-lo, e me neguei terminantemente a dar o número. Estava claro que teria que resolver o assunto eu mesma. “Te dou algo melhor”, disse, chegando perto. Segurei aquele rosto bonito e lasquei um beijo. Ele adorou, e os últimos três quarteirões da nossa caminhada demoraram quase tanto quanto os 37 anteriores. Parávamos para nos agarrar a cada parede, cerca, árvore, ou carro sem alarme que encontrei no caminho. Na porta do hotel, eu só tinha mais uma hora antes da reunião, e fomos forçados a interromper a epopeia. A única alternativa foi trocar telefones mesmo, já que eu voltaria ao Rio no mês seguinte.
Exatos 32 dias depois, tive outras 24 horas na cidade. Pensei em ligar para o loirinho antecipadamente, mas não tinha muito tempo, estava praticamente tão cansada quanto excitada, e acabei não avisando que estaria na área. Mas depois do jantar, sem sono e sem nada para fazer… mudei de ideia. Mandei uma mensagem para o cantor carioca.
Apesar da surpresa, ele topou planejar um encontro para daí a uma hora. Continuamos na troca de mensagens. Eu me lembrava dos nossos beijos contra paredes, da caminhada de mãos dadas, da despedida na porta do hotel, e ficava cada vez mais molhada. Mas durante os 60 minutos de mensagens, algo entrou em nosso caminho. Algo que eu disse não combinou com o estilo do loiro, e ele se viu ofendido. Não foi sacanagem nem nada explícito, mas acho que ficou claro que eu tinha expectativas. O deus nórdico, sabe-se lá porque, se ofendeu e disse que não estava disposto a ser “usado” para resolver meu tesão.
Tentei explicar que 1) não estava tentando “usar” ninguém, e 2) que ter tesão por ele não era ofensa alguma. Mea culpa – eu deveria ter imaginado que um rapaz que canta para uma desconhecida sob a lua cheia precisaria de mais sutileza, mas era tarde. Não nos vimos nem naquela noite, nem nunca mais. Voei para casa com o tesão mais mal resolvido que o Rio de Janeiro já viu.
E daí, o que me restou depois dessa rejeição? Dormi, descansei, e voltei fui embora achando graça da minha própria inabilidade. Até hoje, quando escuto uma certa música que troquei por beijos na noite carioca, lembro do meu loiro nórdico que cantou para mim sob a lua cheia, e do meu tesão mal resolvido. Ele continua na minha fantasia.
A pior coisa que pode acontecer quando tomamos a iniciativa é levar um não. E, surpresa das surpresas, os “nãos” também podem ser gostosos. Minhas amigas adoram essa história, e eu tenho ótimas lembranças. Claro que quando estamos apaixonadas é diferente, mas, sinceramente, tomar a iniciativa também é questão de prática. E os “nãos” que levamos pelo caminho (em geral menos numerosos que os “sim”) ajudam a acalmar os nervos quando há mais em jogo. Porque depois de tentar, fracassar, e tentar de novo, gente entende que não vai quebrar, não importa o que aconteça. Se não fosse por esse e outros “nãos”, eu jamais teria ido atrás de um ficante na festa de lançamento do livro dele, nem dito na cara-dura que tinha mudado de ideia quanto a uma paquerada inocente pós-término. Certamente não teríamos tido aquele sexo sensacional contra a pia do banheiro da festa, muito menos o repeteco contra a parede do quarto ao lado do salão. Voltamos a ficar juntos.
E não me venha com essa conversa de que o mundo é machista, Mariliz. Dentro de certos limites (não encorajaria as leitoras a, por exemplo, largarem tudo para assinarem uma coluna erótica com o nome próprio), você vive no mundo particular que quiser. E convida para esse mundo os homens e mulheres que escolher.